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terça-feira, 11 de janeiro de 2011

livra-me dos “normais”

_ Uns têm uma loucura visível e outros, oculta. Que tipo de loucura você tem?
_ Eu não tenho loucura alguma. Eu sou normal! – reagiu impulsivamente o profissional de saúde mental. Enquanto isso, o Vendedor de Sonhos admitiu:
_ Pois a minha é visível.
Em seguida, deu as costas e começou a caminhar com as mãos nos meus ombros. Três passos adiante, olhou para o alto e expressou:
_ Deus, livra-me dos “normais”! (p. 53).

CURY, Augusto. O vendedor de sonhos. São Paulo: Editora Academia de Inteligência, 2008.

Quero saber qual é sua essência

_ Não perguntei sua profissão, seu status social, suas atividades. Quero saber qual é sua essência (p.49).

_ Os profissionais de saúde mental são poetas da existência, têm uma missão esplêndida, mas jamais podem colocar um paciente dentro de um texto teórico, e sim um texto dentro do paciente. Não enquadre excessivamente seus pacientes dentro dos muros de uma teoria, caso contrário reduzirá suas dimensões. Cada doença pertence a um doente. Cada doente tem uma mente. Cada mente é um universo infinito.
Entendi o recado que passara para o psiquiatra, pois senti na própria pele o que queria dizer. Quando o psiquiatra me abordou, usou técnicas e interpretações. Eu as rechacei imediatamente. Tratou do ato suicida, mas não do ser humano dilacerado que estava em mim. Sua teoria poderia ser útil em situações previsíveis, em especial quando o paciente procura ajuda espontânea, mas não em situações em que é resistente ou perdeu a esperança. Eu estava resistente, precisava primeiro do ser humano psiquiatra e depois do profissional psiquiatra. Como ele me abordara diretamente, eu o senti como invasor, me recolhi dentro de mim, entrei num cofre.
O Vendedor de Sonhos fez o caminho inverso (p.51).

CURY, Augusto. O vendedor de sonhos. São Paulo: Editora Academia de Inteligência, 2008.

talvez minha vida tenha mais sentido do que teve até aqui

“Tentei viver sob o teto do júbilo e dos alicerces da segurança, mas  me afundei. Tentei estimular meus alunos a pensar, mas formei muitos repetidores de informações. Tentei contribuir para a sociedade, mas era uma ilha de soberba. Se conseguir vender um pouco de sonhos para algumas pessoas, tal qual esse misterioso homem me vendeu, talvez minha vida tenha mais sentido do que teve até aqui” (p.45).

CURY, Augusto. O vendedor de sonhos. São Paulo: Editora Academia de Inteligência, 2008.

eu queria tirar minha vida porque estava preso no novelo dos meus conflitos


­ _ Eu procuro vender coragem para os inseguros, ousadia para os fóbicos, alegria para os que perderam o encanto pela vida, sensatez para os incautos, críticas para os pensadores.
Júlio César, num rompante de orgulho, lembrando-se do tempo em que se sentia um deus por ter vasta cultura acadêmica, disse consigo: “Não é possível! Estou tendo um pesadelo. Acho que já morri e não percebi. Num momento eu queria tirar minha vida porque estava preso no novelo dos meus conflitos. Noutro, estou perturbado ainda porque estou diante de alguém que me resgatou e diz que vende o que é invendável. Vendo o que todos procuram mas não existe nos mercados”. E, para sua surpresa, o estranho completou:
_ E, para os que pensam em pôr um ponto final na vida, procuro vender uma vírgula, apenas uma vírgula.
_ Uma vírgula? – perguntou, confuso, o sociólogo (p.42).
_ Sim, uma vírgula. Uma pequena vírgula, para que eles continuem a escrever sua história.
Julio César começou a transpirar. De repente, sob um estado de iluminação interior, caiu em si. O irreverente homem acabara de vender para ele uma vírgula, e ele a comprara sem perceber. Não houve preço, não houve pressão, ano houve chantagem, não houve apelos. Ele a comprara para retornar às raízes da essência humana (p.43).

CURY, Augusto. O vendedor de sonhos. São Paulo: Editora Academia de Inteligência, 2008.

um dia tombarei no silencio de um tumulo

_ Quando considero a brevidade da existência dentro do pequeno parêntese do tempo e reflito sobre tudo o que está além de mim e depois de mim, enxergo minha pequenez. Quando considero que um dia tombarei no silêncio de um túmulo, tragado pela vastidão da existência, compreendo minhas extensas limitações e, ao deparar com elas, deixo de ser deus e liberto-me para ser apenas um andante nas trajetórias que desconheço... (p.38).

CURY, Augusto. O vendedor de sonhos. São Paulo: Editora Academia de Inteligência, 2008.

crendo que ele estava preso em sua gaiola emocional

_ João Marcos, meu filho, caiu no mundo das drogas. Agressivo, sempre me acusou de nunca ter brincado ou ter sido amável, companheiro e amigo. Foi várias vezes internado. Hoje mora em outro estado e se recusa a falar comigo. Resumindo, desde os seis anos coleciono incontáveis abandonos. Alguns por culpa dos outros, outros por culpa minha – disse com sinceridade, começando a aprender a retirar seus disfarces.
Assim que terminou, um filme passou rapidamente pela sua mente. Recordou as últimas imagens do pai, imagens que estavam bloqueadas. Recordou também que o chamara dia e noite por longas semanas após a sua perda. Cresceu com raiva do pai, crendo que ele estava preso em sua gaiola emocional, alienado das dores que ele, Julio, sentiria no futuro.
Agora estava repetindo a mesma trajetória. O passado calava mais forte do que sua notável carreira acadêmica. Sua cultura não o tornara flexível nem o relaxara.  Era um homem engessado, impulsivo, tenso. Nunca se desarmou diante de seus psiquiatras e psicólogos. Não rara vezes os criticava frontalmente por considerar as interpretações deles infantis para alguém do seu nível intelectual. Convencê-lo era uma tarefa dantesca (p.36).

CURY, Augusto. O vendedor de sonhos. São Paulo: Editora Academia de Inteligência, 2008.

Para não se destruir, compensara seus conflitos no estudo


Julio César havia desenvolvido uma personalidade agressiva. Era pouco sociável, tímido e intolerante. Sentia-se feio e mal-amado. Para não se destruir, compensara seus conflitos no estudo. Com dificuldades, entrou para a universidade e tornou-se um aluno brilhante. Trabalhava durante o dia, ia para a faculdade à noite, estudava nas madrugadas e nos finais de semana. E, externando uma raia jamais superada, adicionou:
- Mas ultrapassei todos aqueles que zombaram de mim. Tronei-me mais culto e bem sucedido que eles. Fui um universitário exemplar e tornei-me um professor respeitadíssimo. Fui invejado por uns e odiado por outros. Muitos me admiravam. Casei-me e tive um filho, João Marcos. Mas acho que não fui nem bom amante nem bom pai. O tempo passou e, há um ano, me apaixonei por uma aluna quinze anos mais  nova. Fiquei desesperado. Tentei seduzi-la, comprá-la, contraí dívidas. Acabei com meu crédito, perdi minha segurança... e, por fim, ela me abandonou. Meu chão se abriu. Minha esposa descobriu meu caso e me abandonou também. Quando ela se foi, percebi que ainda a (p.35) amava; não podia perdê-la! Tentei reconquistá-la, mas ela estava cansada do intelectual que nunca fora afetivo, que era pessimista, deprimido e ainda por cima estava falido. Deixou-me (p.36).


CURY, Augusto. O vendedor de sonhos. São Paulo: Editora Academia de Inteligência, 2008.

... eu tinha apenas seis anos

- Meu pai brincava comigo, me beijava e me chamava de “meu filho querido”. [...]
- Mas ele me abandonou quando eu era criança, sem me dar explicação. – Fazendo uma pausa, acrescentou: - Eu assistia a um desenho animado, na sala, quando ouvi o forte estalido que vinha de seu quarto. Quando cheguei para saber o que havia (p.34) ocorrido, vi que ele estava sangrando, caído no chão. Eu tinha apenas seis anos. E gritava sem parar, pedindo ajuda. Minha mãe não estava em casa. Corri até os vizinhos, mas meu desespero era tão grande que, por alguns momentos, ninguém me entendeu minha crise. Mal começava a vida e perdia minha infância, minha inocência. Meu mundo desabou. Passei a detestar desenhos animados. Não tive outros irmãos. Minha mãe, viúva e pobre, tinha de trabalhar fora: lutou como uma valente para me sustentar, mas contraiu um câncer e morreu quando eu tinha doze anos. Fui criado por tios. Passava de casa em casa, sentia-me um estranho em lares que nunca foram meus. Fui um adolescente irritadiço, pouco afeito às festas de família. Pudera: não poucas vezes, fui tratado como um empregado e tinha de me calar (p.35).


CURY, Augusto. O vendedor de sonhos. São Paulo: Editora Academia de Inteligência, 2008.

Dar fim a propria vida

Inicio registro de fragmentos do livro: O Vendedor de Sonhos - O chamado

Destaco  partes que me tocaram, e espero que quem aqui as ler, sinta-se desafiado a buscar a leitura completa do livro. Mantenha o crédito ao autor.


CURY, Augusto. O vendedor de sonhos. São Paulo: Editora Academia de Inteligência, 2008.

Não pense! Porque, se pensar, vai perceber que quem se mata comete homicídios múltiplos: mata primeiro a si, e depois aos poucos, os que ficam. Se pensar, entenderá que a culpa, os erros, as decepções e as desgraças  são  privilégios de  uma vida consciente. A morte não tem esses privilégios! (p.22)


_ Trabalhamos, compramos, vendemos e construímos relações sociais; discorremos sobre política, economia e ciências, mas no  fundo somos meninos brincando no teatro da existência, sem poder alcançar sua complexidade. Escrevemos milhões de livros e os armazenamos em imensas bibliotecas,  (p.31) mas somos apenas crianças. Não sabemos quase anda sobre o que somos. Somos bilhões de meninos que, por décadas a fio, brincam neste deslumbrante planeta (p.32)

Sentia-se uma criança indefesa diante dos próprios medos e da própria falta de sabedoria. Mas, pela primeira vez, foi chamado de menino, e não se contorceu de raiva, pela primeira vez teve prazer em reconhecer sua pequenez. Já não se sentia um homem diante do próprio fim; via-se como um ser humano em reconstrução (p.32).

As loucuras só podem ser tratadas quando abandonam seus disfarces (p.33).